17/03/2010

ADITAMENTO - JORGE DE SENA


Não sei porquê, os links "A Portugal" e "No País dos Sacanas" no post abaixo, não abrem. Dado achar que é importante a leitura, para melhor entendimento do post, transcrevo-os para "avaliação".

É com coisas destas que se é condecorado com a Ordem do Infante D. Henrique por serviços prestados à comunidade portuguesa, se recebe postumamente, a Grã-Cruz da Ordem de Sant'iago e se é trasladado dos USA para Lisboa, com cerimónia de homenagem na presença do Primeiro-Ministro, e da esposa do Presidente da República.

A Portugal

Esta é a ditosa pátria minha amada. Não.
Nem é ditosa, porque o não merece.
Nem minha amada, porque é só madrasta.
Nem pátria minha, porque eu não mereço
A pouca sorte de nascido nela.
Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta
quanto esse arroto de passadas glórias.
Amigos meus mais caros tenho nela,
saudosamente nela, mas amigos são
por serem meus amigos, e mais nada.
Torpe dejecto de romano império;
babugem de invasões; salsugem porca
de esgoto atlântico; irrisória face
de lama, de cobiça, e de vileza,
de mesquinhez, de fatua ignorância;
terra de escravos, cu pró ar ouvindo
ranger no nevoeiro a nau do Encoberto;
terra de funcionários e de prostitutas,
devotos todos do milagre, castos
nas horas vagas de doença oculta;
terra de heróis a peso de ouro e sangue,
e santos com balcão de secos e molhados
no fundo da virtude; terra triste
à luz do sol calada, arrebicada, pulha,
cheia de afáveis para os estrangeiros
que deixam moedas e transportam pulgas,
oh pulgas lusitanas, pela Europa;
terra de monumentos em que o povo
assina a merda o seu anonimato;
terra-museu em que se vive ainda,
com porcos pela rua, em casas celtiberas;
terra de poetas tão sentimentais
que o cheiro de um sovaco os põe em transe;
terra de pedras esburgadas, secas
como esses sentimentos de oito séculos
de roubos e patrões, barões ou condes;
ó terra de ninguém, ninguém, ninguém:
eu te pertenço. És cabra, és badalhoca,
és mais que cachorra pelo cio,
és peste e fome e guerra e dor de coração.
Eu te pertenço mas seres minha, não.

Jorge de Sena


No País dos Sacanas

Que adianta dizer-se que é um país de sacanas?
Todos os são, mesmo os melhores, às suas horas,
e todos estão contentes de se saberem sacanas.
Não há mesmo melhor do que uma sacanice
para poder funcionar fraternalmente
a humidade de próstata ou das glândulas lacrimais,
para além das rivalidades, invejas e mesquinharias
em que tanto se dividem e afinal se irmanam.

Dizer-se que é de heróis e santos o país,
a ver se se convencem e puxam para cima as calças?
Para quê, se toda a gente sabe que só asnos,
ingénuos e sacaneados é que foram disso?

Não, o melhor seria aguentar, fazendo que se ignora.
Mas claro que logo todos pensam que isto é o cúmulo da sacanice,
porque no país dos sacanas, ninguém pode entender
que a nobreza, a dignidade, a independência, a
justiça, a bondade, etc., etc., sejam
outra coisa que não patifaria de sacanas refinados
a um ponto que os mais não são capazes de atingir.

No país dos sacanas, ser sacana e meio?
Não, que toda a gente já é pelo menos dois.
Como ser-se então nesse país? Não ser-se?
Ser ou não ser, eis a questão, dir-se-ia.
Mas isso foi no teatro, e o gajo morreu na mesma.


Jorge de Sena


A Diferença Que Há

A diferença que há entre os estudiosos e os poetas
É que aqueles passam a vida inteira com o nariz num assunto
A ver se conseguem decifrá-lo, e estes
Abrem o livro, lêem três páginas, farejam as restantes
(nem sequer todas) e sabem logo do assunto
o que os outros não conseguiram saber. Por isso é que
os estudiosos têm raiva dos poetas,
capazes de ler tudo sem Ter lido nada
( e eles não leram nada tendo lido tudo).
O mal está em haver poetas que abusam do analfabetismo,

E desacreditam a gaya Scienza


Jorge de Sena
.

4 comentários :

  1. Será que Jorge Sena queria que o seu corpo fosse transladado para a terra dos Sacanas?
    Será que o Senhor Sócrates e a Dona Maria C. Silva leram as obras de Jorge Sena? Bate-me,
    bate-me que eu ainda te faço a vénia - Eles aqui não foram sacanas, mas sim otários.
    Ou será que existam outras obras deste autor que justifiquem este provocação?
    Jorge Sena não crítica, ele insulta.

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  2. Marota
    Obrigado pelo comentário.
    É tudo isso, exactamente o que sinto.

    Sena deve ter dado voltas e mais voltas no caixão por, esta sim, enorme baixeza !...

    Tem uma obra muito vasta e algumas coisas interessantes, mas “isto basta” para julgar o seu patriotismo, quando se refere “a Portugal” e a “esta terra de sacanas”, para onde o trouxeram, prestando-lhe todas as homenagens e condecorações:

    “Nem pátria minha, porque eu não mereço
    A pouca sorte de nascido nela.”

    ”Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta
    quanto esse arroto de passadas glórias.”

    “Torpe dejecto de romano império”

    ”És cabra, és badalhoca,
    és mais que cachorra pelo cio,
    és peste e fome e guerra e dor de coração.
    Eu te pertenço mas seres minha, não.”

    “No país dos sacanas, ser sacana e meio?
    Não, que toda a gente já é pelo menos dois.”

    ”Todos os são, mesmo os melhores, às suas horas, e todos estão contentes de se saberem sacanas.”
    .

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  3. Sena viveu na ditadura e teve problemas graves , tendo que se exilar.

    Além disso, não deve ter tido uma personalidade fácil.

    Não dizem que o ódio é ainda uma forma de amar? Contudo , embora muitas vezes me irrite com o que acontece no país e com o Poder, acho que , por muito amargurado e ofendido que estivesse, Sena não deveria ter jamais escrito ataques brutais como estes.

    Tinha valor intelectual? Pois tinha, mas a generalização é sempre injusta e arrasar Portugal - até naquilo que é verdadeiramente glorioso - não o deveria ter feito.

    Quanto a ser trasladado, pois ...talvez nem o quisesse , tal como Marcelo Caetano não quis e fez questão de o fazer saber.

    Bom domingo

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    1. Obrigado pela sua opinião, com a qual concordo plenamente, São !
      Perfeito !

      Bom Domingo :))
      .

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