26/01/2010

HAITI – AS CAUSAS REMOTAS - 2

Causas remotas da situação (Financeiras) :

Quando, aos haitianos, não foi possível cumprir os pagamentos faseados estipulados, não faltou quem, com base em altos interesses de natureza duvidosa, se oferecesse para “ajudar”.
Em 1900, 80% do orçamento anual do Haiti destinou-se a pagar parte da sua dívida.
Novos empréstimos foram contraídos - na maior parte, dos Estados Unidos, Alemanha e França.
Em vez de desenvolver o seu potencial, este Estado viu-se confrontado com dirigentes nefastos, a maioria dos quais desistiu da tarefa intransponível de resolver os problemas do país, passando a saqueá-lo.
Até 1947 não foram feitos outros pagamentos. Só então o Haiti voltou a pagar, acrescido de altos juros.
Ainda mais na miséria, o Haiti ficou prisioneiro duma espiral descendente, de que seria impossível escapar, mantendo-se irremediavelmente em dívida desde então.

Em 1957, o “famoso” ditador François "Papa Doc" Duvalier, tomou conta do país e levou-o rapidamente a uma ainda maior falência, contraíndo empréstimos a altos juros, para pagar o seu estilo de vida corrupta.
A família Duvalier, com a conivência dos países ocidentais, matou 60.000 haitianos, até ser derrubada em 1986.

Hoje, o Haiti continua a pagar a dívida de um ditador opressivo e ninguém tenta ajudá-lo a livrar-se dela. O resto do mundo tem-se recusado a ajudar.
Meio século atrás, quando estava sob a tirania de Duvalier, chamavam-lhe Haiti, a "República Pesadelo".
Quando, em 1957, Duvalier se tornou presidente, criou uma milícia pessoal, os "Tonton Macoutes", quais zumbis, que teriam ressuscitado dentre os mortos e logo ganharam uma reputação de terror, nos haitianos.

Em vez de uma condenação e de contribuir para acabar com este ditador, os países mais ricos do mundo abriram-lhe as seus créditos.

Em 1967, os norte-americanos possuíam plantações na República Dominicana. "Papa Doc" foi pago directamente para que 20.000 haitianos fossem trabalhar nelas, em regime de quase escravatura.

Os Duvalier enganaram credores internacionais e agências de beneficência em somas enormes.
O governo americano, emprestou milhões a ambos os ditadores.
Embora os americanos reconhecessem a situação de ditadura dos Duvalier, com uma taxa de 80% de desvios dos auxílios, nenhuma acção foi tomada para os derrobar, até 1986.
Os Duvaliers sempre se disponibilizaram a aceitar novos empréstimos ou fazer contratos lucrativos com empresas americanas, mas a maioria dos projectos não deram em nada.
A maior parte do dinheiro emprestado a Duvalier, encontrou o seu destino nas suas contas bancárias privadas.
Quando "Baby Doc" fugiu, levou com ele, um valor estimado de US $ 900 milhões.
As dívidas contraídas pelos Duvalier representavam cerca de 45% do total da dívida do Haiti actual.

Nenhum dos credores, incluindo o Inter-American Development Bank, o Banco Mundial, o FMI e os governos da França e os E.U. reconhece a sua cumplicidade, que seria um argumento convincente para o cancelamento das dívidas.

Paradoxalmente, o perdão da dívida, gerida pelo Banco Mundial e pelo FMI, implica como contra partida, ao Haiti, respeitar certas condições, incluindo a redução da pobreza e controle da inflação, antes que qualquer dívida possa ser perdoada.

Absolutamente ridícula e vergonhosa a atitude do Banco Mundial, quando há dias, em plena tragédia, anunciou que durante 5 anos, o Haiti estaria dispensado de cumprir as prestações, numa altura em que todo o mundo se deveria solidarizar para pôr fim à dívida.
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5 comentários :

  1. Eu entendo o que dizes. Entendo. Mas...

    Se fosse sempre assim não haveria motivo para qualquer outro país cumprir pagamentos... porque, em última análise, se não pagarem são "premiados" com o perdão da dívida.

    Porque o Haiti não é um caso isolado. Infelizmente. É "apenas" o mais badalado ultimamente.

    E os outros? Precisam de esperar por uma catástrofe natural para que vejamos a miséria em que vivem? E se perdoarmos todas as dívidas, de onde vem o dinheiro?

    É como o rendimento mínimo... a ideia era ser uma ajuda, uma alavanca para recomeçar. Mas na realidade, tirando excepções, a maioria das pessoas que usufrui do rendimento mínimo encosta-se. E nós continuamos a trabalhar para isso. Para que isso seja possível.

    A ideia é ajudar. Mas uma ajuda sustentada. Dar dinheiro, ou perdoar dívidas não é solução. Ajudar à séria. Com educação. Com bens. Com equipas de (re)construção. Ensiná-los a serem independentes e autónomos.

    A maioria dos países que foram colonizados está assim como o Haiti. Com excepção dos produtores de petróleo, claro. E a culpa, muita dela, está na forma como foi feita a descolonização. Largámos aquilo e pronto. E quem lá estava, sem educação, sem formação, sem rotinas, sem experiência governativa, ficou encarregue de tudo...

    Não esquecer que nos queixamos dos Governos que temos, dos governantes que temos, todos os dias, mas que os governantes que temos são resultado de 800 anos de independência. De experiências. De falhas.

    A maioria destes países foi descolonizada no século XX... logo, não tem ainda um século de experiência. E parte da responsabilidade do que se passa é nossa. Não por não perdoarmos as dívidas, mas por não lhes darmos meios para serem mais e melhor.

    Kiss

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  2. cantinhodacasa26/1/10 22:46

    Rui, o comentário da Ianita está muito bom.
    Já várias vezes referi em comentários que a há muitos países que estão na miséria e precisam de ajuda, de orientação.
    Perdoar, de facto, não será a melhor solução., mas dar condições, para..., sim.

    Beijinho

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  3. Ianita, não consideres isto uma resposta ao teu comentário, que está muito bem fundamentado e que desde já agradeço muito, mas apenas para chamar a atenção para as "origens da dívida" e conivência de algumas potências (França, USA, Alemanha) expressa no post abaixo: "Haiti - O Pacto com o Diabo - 1".
    Gostaria que o lesses com atenção.

    Cantinho, igualmente para ti, esta questão.
    Obrigado.

    Amanhã comentarei, se bem que o post 3 e 4, que se vão seguir, poderão conter bons argumentos.
    .

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  4. Podemos usar o mesmo argumento com todos os países subdesenvolvidos...

    Os EUA preocupam-se mais com os países onde têm interesses. Não admira que tivessem sido tão rápidos a irem atrás do Saddam e que nunca tivessem mexido um dedo contra o Suharto, por exemplo.

    Falar do Haiti é falar do Cambodja, de Moçambique, da Eritreia, do Quénia, do Sudão.... e a lista, infelizmente, é demasiado extensa. E nestes países podemos falar, além da falta de interesse das grandes potências, da sua responsabilidade no status quo.

    Acho que é bom entender as origens das coisas, mas o Haiti não é, infelizmente, nenhuma excepção.

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  5. Ianita e Cantinho, achei melhor esperar pelos posts 3 e 4, para, então, responder.
    Acho que seria fastidioso estar a apresentar os mesmos argumentos, já expressos anteriormente e nos novos posts, sobre o assunto. Seria repetir-me.

    No entanto, Ianita, devo repetir que aceito perfeitamente os teus argumentos, que acho perfeitamente fundamentados.
    Poderá haver uma ligeira discrepância sobre o "perdão da dívida", mas aceito opiniões diferentes e agradeço o teu comentário anterior.
    Bjs.
    .

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